A história escrita pelos vencedores, muitas vezes, oculta os sujeitos que participaram ativamente das disputas e dos processos sociais, de forma que nomeia o mundo a partir dos sentidos e das práticas dos agentes dominantes. Nesse sentido, Eduardo Galeano, escritor uruguaio, nos lembra de que, ainda hoje, a violação da América é chamada por muitos de “encontro de culturas”¹. Os silenciamentos, ao longo da história, são muitos e correspondem, ainda, às situações de opressão vivenciadas por grupos cujas conquistas são frequentemente ocultadas ou apropriadas por outros. Em um momento de questionamento da importância da História e de tentativas de ocultar lutas históricas e tragédias humanitárias, é fundamental resgatarmos as histórias silenciadas. Como diz Ferreira Gullar, “só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não têm voz”². Levando em consideração as questões apresentadas, a Gincana do Cotuca 2019 pretende abordar os silenciamentos ao longo da história e a necessidade de ampliar a voz dos sujeitos oprimidos, para que se faça ouvir a ressonância, o eco da vida-liberdade, como vislumbra Conceição Evaristo:
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.
Conceição Evaristo, Vozes-mulheres
¹ GALEANO, Eduardo. Curso intensivo de incomunicação. In: De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Porto Alegre: L&PM Editores, 2011
² GULLAR, Ferreira. Corpo a corpo com a linguagem. 1999.